quinta-feira, 7 de junho de 2007

A Ponte


Eu era rígido e frio, eu era uma ponte; estendido sobre um precipício eu estava. Aquém estavam as pontas dos pés, além, as mãos, encravadas; no lôdo quebradiço mordi, firmando-me. As pontas da minha casaca ondeavam aos meus lados. No fundo rumorejava o gelado arroio das trutas.

Nenhum turista se extraviava até estas alturas intransitáveis, a ponte não figurava ainda nos mapas. Assim jazia eu e esperava; devia esperar. Nenhuma ponte que tenha sido construída alguma vez, pode deixar de ser ponte sem destruir-me.
Foi certa vez, para o entardecer - se foi o primeiro, se foi o milésimo, não o sei - meus pensamentos andavam sempre confusos, giravam, sempre em círculo. Para o entardecer, no verão, obscuramente murmurava o arroio, quando ouvi o passo de um homem. A mim, a mim. Estira-te, ponte, coloca-te em posição, vigã órfã de balaústre, sustém aquele que te foi confiado. Nivela imperceptivelmente a incerteza de seu passo, mas se cambaleia, dá-te a conhecer e, como um Deus da montanha, atira-o à terra firme.

Veio, golpeou-me com a ponta férrea de seu bastão, depois ergueu com ela as pontas de minha casaca e arrumou-as sobre mim. Com a ponta andou entre meu cabelo emaranhado e a deixou longo tempo ali dentro, olhando provavelmente com olhos selvagens ao seu redor. Mas então - quando eu sonhava atrás dele sobre montanhas e vales - saltou, caindo com ambos os pés na metade de meu corpo. Estremeci-me em meio da dor selvagem, ignorante de tudo o mais.

Quem era?

Uma criança? Um sonho? Um assaltante de estrada? Um suicida? Um tentador? Um destruidor?

E voltei-me para vê-lo. A ponta de volta! Não me voltara ainda, e já me precipitava, precipitava-me e já estava dilacerado e varado nos pontiagudos calhaus que sempre me tinham olhado tão aprazilvelmente da água veloz.


(FRANZ KAFKA)

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